Olá Queridas e Queridos!
Hoje abro uma nova fase de declamações de poemas e escolhi para a estreia um dos poetas que mais amo! O espetacular andaluz Federico García Lorca desvela essa nova etapa!
E a intenção dessa página não é apenas apresentar a vida das e dos poetas, sua história e sua importância. Há muitas páginas na rede que assim são, algumas muito boas, ainda mais quando se trata de um poeta tão conhecido e estudado como García Lorca. Aqui, meu desejo é apresentar os poemas, declamá-los, senti-los! E tentar levar a vocês as imagens, os sentimentos, o canto de cada poema, cada verso, cada som que emana das linhas das e dos poetas escolhidos!
Lorca foi um poeta mergulhado nas vanguardas do início do século XX, atento às mudanças estéticas, políticas e sociais que se anunciavam naqueles anos arrebatadores. Mas também era um poeta impactado pela violência arrasadora de sua Andaluzia natal, principalmente contra as mulheres e os homossexuais, como ele.
O poeta, fracionado pelas influências de infância e da juventude, gestou uma obra que as figura, que as expõe, que as escancara e faz da sua poesia uma peleja incessante entre a tradição e a vanguarda.
O poema de hoje é do livro Poeta en Nueva York, escrito entre 1929 e 1930, quando da estada do poeta na cidade, mas publicado apenas em 1940, quatro anos após seu fuzilamento, pelas mãos da Guarda Civil de Granada.
Lorca detestou Nova York! Pode parecer contraditório que um poeta vanguardista, que odiava o tédio cultural provinciano e a violência de sua Andalucía natal, também odiasse, ao mesmo tempo, uma cidade que nos inícios do XX pulsava por seu cosmopolitismo, seu rechaço ao prosaico, sua vocação para o universal. Mas a descontrolada urbanidade, a opressão do humano numa cidade monstruosa, principalmente com os humanos mais pobres, a imagem de uma cidade apocalíptica, vencida pelo mundo industrializado e por uma sociedade gelada, uma sorte de cidade angustiada, criada deliberadamente para isso, fez García Lorca detestar a cidade e sua estada por lá.
“Vuelta de paseo” é o poema que abre o livro e não é um acaso. Notem que o poema abre e fecha com o mesmo verso, “Asesinado por el cielo” (Assassinado pelo céu), com uma imagem aterradora, a de um céu opressor e assassino, que pesa sobre nossas cabeças e nada poderia ser mais emblemático que um céu que desaba e nos assassina…
E as imagens sombrias, tristes, desesperadas, vão-se encadeando, num poema-lamento, como a “árvore de cotos que não canta”, “o menino com o rosto branco de ovo”, “os animaizinhos de cabeça quebrada”, “a água andrajosa dos pés secos” e “a borboleta afogada no tinteiro”.
Lorca, já no poema de abertura do livro, pinta uma cidade soturna, melancólica e, posso garantir-lhes que, ao longo de todo o poemário, sua apreciação da cidade só vai piorando. Ao ouvirem a declamação do poema, estou seguro que vocês sentirão também no ritmo, na sonoridade de cada imagem e de cada verso, esse mesmo lamento, que só vai crescendo ao longo do poema e só vai terminar com o céu assassino, agora de forma exclamativa.
O poeta que odiava o provinciano, o tédio cultural de sua cidade natal, também odiará o cosmopolitismo opressivo da megalópole fria, insensível, desprovida de calor. Se o que dá vida não está no mundo retrógrado da província, para Lorca tampouco estará na frieza da cidade que afasta as pessoas umas das outras e as oprime, através de um modelo econômico e urbano que explora e esmaga os mais pobres, os desvalidos, os marginais, no sentido estrito do termo.
Recomendo muito a leitura de todo o poemário e espero que vocês gostem do poema, das declamações, em castelhano e em português, com tradução minha, e que se animem a ler e ouvir cada vez mais o grande poeta andaluz!

Vuelta de passeo
Asesinado por el cielo, entre las formas que van hacia la sierpe y las formas que buscan el cristal, dejaré caer mis cabellos. Con el árbol de muñones que no canta y el niño con el blanco rostro de huevo. Con los animalitos de cabeza rota y el agua harapienta de los pies secos. Con todo lo que tiene cansancio sordomudo y mariposa ahogada en el tintero. Tropezando con mi rostro distinto de cada día. ¡Asesinado por el cielo! Volta de passeio Assassinado pelo céu, entre as formas que vão até à serpente e as formas que buscam o cristal, deixarei crescer meus cabelos. Com a árvore de cotos que não canta e o menino com o rosto branco de ovo. Com os animaizinhos de cabeça quebrada e a água andrajosa dos pés secos. Com tudo o que tem cansaço surdo-mudo e borboleta afogada no tinteiro. Tropeçando com meu rosto distinto de cada dia. Assassinado pelo céu! (Tradução : Márcio Funcia)
2 respostas para “Vuelta de paseo”
Márcio, Márcio, nobre amigo Márcio! Digo que fiz uma experiência psicodélica que tornou mais incrível a minha experiência com esta postagem. Eu dei o play nos dois áudios, pra que eles corressem ao mesmo tempo. Ficou sensacional!
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Nunca fiz isso! Vou experimentar!! ð¹
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